“No céu, há três tesouros: o sol, a lua e as estrelas.
Na terra, há três tesouros: a água, o fogo e o vento.
No homem, há três tesouros: o jing, o qi e o espírito”
(Provérbio popular taoista)
Somos mais do que corpo físico
Se você acredita que sua existência se resume a um corpo físico que trabalha, que se cansa e que paga boletos, prepare-se para uma revelação. Isso porque a medicina tradicional chinesa, em sua sabedoria de milênios, nos ensina que somos muito mais do que isso.
O Universo interior e os Três Tesouros
Na verdade, somos um universo em miniatura, um império interior governado por uma trindade de forças magníficas conhecidas como Os Três Tesouros da Medicina Chinesa (三宝 – Sān Bǎo): o Jing, o Qi e o Shen.
A Metáfora da Vela: Cera, Chama e Luz
Compreender esta trindade não é apenas o primeiro passo para entender a acupuntura, mas também equivale a decodificar o próprio sistema operacional da vida. Para facilitar, pense em sua vitalidade como uma vela acesa. Em primeiro luar, o Jing é a cera, a substância densa e preciosa que lhe dá forma. Em seguida, o Qi é a chama, a energia que queima e produz calor e movimento. Por fim, o Shen é a luz que emana dessa chama, a consciência que ilumina o mundo.
Um Convite ao Estudo dos Três Tesouros
Portanto, vamos conhecer a fundo cada um dos três tesouros da medicina chinesa, já que eles são o fundamento de tudo o que se segue.
JING (精) – A Essência: Sua Poupança Genética
O Jing é a sua “essência”, a sua “matriz de vida”. Em suma é a substância mais preciosa e fundamental, a “raiz do corpo” (HUÁNG DÌ NÈI JĪNG SÙ WÈN, cap. 4, citado por SIONNEAU, 2015, P.27). Assim, podemos entendê-lo como o seu fundo de herança genética, uma poupança vital que você recebe de seus pais e ancestrais.
Ele representa o potencial, o hardware sobre o qual todos os programas da sua vida irão rodar. Contudo, é importante lembrar que existem duas fontes de Jing, e a dança entre elas define a sua longevidade e vitalidade.
O Jing Inato (do Céu Anterior): A Herança Preciosa
Este é o tesouro que você recebe no momento da concepção. Trata-se da fusão das essências de seus pais, o vetor que transmite as características da sua linhagem ancestral (SIONNEAU, 2015, p. 24). Assim, ele constitui sua base, sua reserva mais fundamental.
A quantidade do Jing Inato é limitada e, em princípio, não pode ser recriada – apenas preservada. Em outras palavras, é como a cera de uma vela: uma vez que ela acaba, a chama se apaga. Logo, o esgotamento desta fonte de vida gera a morte (SIONNEAU, 2015, p. 29).
O Jing Adquirido (do Céu Posterior): O Combustível do Dia a dia
Após o nascimento, para não queimar sua preciosa herança de uma só vez, você precisa de um aporte constante de energia. Esse aporte vem do Jing Adquirido, a essência sutil que seu corpo extrai do ar que respira e, principalmente, dos alimentos e bebidas que consome (SIONNEAU, 2015, p.24).
É a função do Baço e do Estômago que governa a produção deste “combustível” diário. Dessa forma, o Jing Adquirido é utilizado nas atividades cotidianas e, o que sobra, é enviado para reabastecer e nutrir o Jing Inato, retardando o seu consumo.
A interdependência entre eles é fundamental: “o jing do céu anterior produz qì; este qì ajuda a produzir o Jing do céu posterior para manter o jing do céu anterior” (SIONNEAU, 2015, p. 26). Portanto, trata-se de um ciclo virtuoso: você usa sua constituição para extrair energia do mundo e, ao mesmo tempo, usa a energia do mundo para preservar sua constituição.
QI (氣) – O Sopro Vital: A Chama que Anima a Vida
Se o Jing é a substância, o Qi é o dinamismo. Ele é a energia vital, o sopro, a força fundamental que “constitui e anima todas as manifestações do universo” (SIONNEAU, 2015, p.34). Em outras palavras, é a chama da nossa vela. O Qi é o que permite que o potencial do Jing se manifeste como movimento, calor, pensamento e vida.
A própria palavra já nos revela sua essência. O ideograma chinês para Qi (氣) é a união do radical “vapor” (气) sobre o radical “arroz” (米). Ele representa, poeticamente, o vapor sutil e energético (Yang) que se eleva do cozimento do arroz (a substância nutritiva, Yin) (SIONNEAU, 2015, p. 37).
Embora o Qi seja um só, ele assume diferentes funções no corpo, como um funcionário versátil que executa múltiplas tarefas. Entre elas, destacam-se:
- Transformação: Transforma alimentos em nutrientes, e nutrientes em Sangue e outros tecidos.
- Movimento: Move o Sangue nos vasos, os alimentos no digestório, o ar nos pulmões.
- Aquecimento: Mantém a temperatura corporal.
- Proteção: Cria um escudo energético (Wei Qi) que nos defende de invasores externos.
- Contenção: Mantém o Sangue dentro dos vasos e os órgãos em seus devidos lugares.
SHEN (神) – O Espírito: A Luz da Consciência
Se o Jing é a cera e o Qi é a chama, o Shen é a luz que ilumina o ambiente. Logo, o Shen é o nosso Espírito, nossa Consciência, nossa mente, a “consciência organizadora” que governa todo o nosso ser (SIONNEAU, 2015, p. 49). É o mais sutil, imaterial e Yang dos três Tesouros.
Sua origem é sublime: o Shen emana do Dào (o “vazio supremo”) e se ancora em nós no momento da concepção, quando as essências (Jing) dos pais se unem. Como diz o clássico, “Os dois jing […] que se apropriam um do outro é o que chamamos de espírito” (HUÁNG DÌ NÈI JING LÍNG SHŪ, cap. 8, citado por SIONNEAU, 2015, cap. 31). Seu palácio imperial no corpo é o Coração, onde é abrigado e nutrido pelo Sangue.
No entanto, para que o Shen permaneça estável, claro e radiante, ele precisa de uma base sólida. Em suma, o Jing é sua âncora material, enquanto o Qi e o Sangue são seu combustível e seu alimento. A metáfora clássica é perfeita: “O espírito depende do Jing como o peixe precisa da água” (MĂ PÉI ZHĨ, citado por SIONNEAU, 2015, p. 31). Assim, sem um Jing forte e um Sangue abundante, o Shen se agita, resultando em ansiedade, insônia e confusão mental.
A Trindade dos Três Tesouros da Medicina Chinesa: A Dança da Cera, da Chama e da Luz
O ponto capital desta teoria é que os três tesouros da medicina chinesa não são entidades separadas, mas sim uma unidade interdependente. Dessa forma, “Qi, jing e shén forma um todo, uma unidade/globalidade” (SIONNEAU, 2015, p. 49).
O Jing condiciona a vida: é a Estrutura Vital
O Qi põe a vida em movimento: é o Dinamismo Vital
O Shen organiza a vida: é a Consciência Vital (SIONNEAU, 2015, p. 50, adaptado).
A associação dos três é a própria vida. Consequentemente eles são a base de toda a fisiologia e patologia na medicina chinesa.
Prontos para Yin e Yang
Concluindo, agora que conhecemos os três tesouros que constituem o nosso ser, estamos prontos para entender a linguagem universal que rege suas interações: a eterna e fascinante dança do Yin e do Yang.
Referências
SIONNEAU, Philippe. A Essência da Medicina Chinesa: Retorno às Origens – Livro 1. São Paulo: Editora Brasileira de Medicina Chinesa, 2015.
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