Fundamentos da MTC

Capítulo 2: Yin e Yang (阴阳) – A Dança Cósmica

“Um yīn, um yáng, é o que se chama o Dào.”
(YÌ JĪNG – Clássico das Mutações, citado por SIONNEAU, 2015, p. 99).

Se os Três Tesouros são os atores principais no palco da vida, Yin e Yang são o roteiro que eles seguem, a coreografia que dançam. Esta é, sem dúvida, a teoria mais fundamental e, ao mesmo tempo, a mais profunda de todo o pensamento chinês. Consequentemente, é a linguagem de base, a matriz que nos permite compreender o universo, a natureza e, claro, o nosso próprio corpo. Como afirmou o grande mestre Zhang Jie Bin, “O ponto essencial no estudo da medicina é simplesmente o Yin Yáng” (citado por SIONNEAU, 2015, p. 55-56).

Esqueça a ideia de que Yin e Yang são “coisas”. Eles não são. São os dois polos de uma mesma força, duas faces da mesma moeda, opostas, mas inseparáveis. A melhor analogia é a de uma montanha: o lado que recebe a luz do sol é Yang (阳); o lado que fica na sombra é Yin (阴). A montanha é uma só, mas ela manifesta essas duas qualidades simultaneamente. Uma não pode existir sem a outra.

A saúde, em sua essência, é o equilíbrio dinâmico entre essas duas forças. Por outro lado, a doença é a sua desarmonia. Para nos tornarmos detetives do corpo, precisamos primeiro aprender as quatro leis que regem esta dança cósmica.

As Quatro Leis da Dança do Yin e Yang

Toda a complexidade do universo pode ser entendida através de quatro princípios simples que governam a interação entre essa dualidade.

1. Oposição: A Tensão que Gera a Vida

Eles são fundamentalmente opostos. Isto é, um é o oposto do outro em todas as suas qualidades:

Y I N (阴)Y A N G (阳)
EscuridãoLuz
FrioCalor
RepousoMovimento
NoiteDia
ÁguaFogo
MatériaEnergia
InteriorExterior
DescidaSubida

É desta oposição, desta tensão criativa, que nasce todo o movimento e transformação no universo. Sem a oposição entre o frio do inverno e o calor do verão, não haveria o ciclo das estações. É a luta entre estas duas forças que gera a vida.

2. Interdependência: A Necessidade do Outro

Apesar de opostos, um não pode existir sem o outro. Dessa forma, “O Yin não pode existir sem o Yang […] e o Yang sem o Yin” (NEIJING, citado por NGUYEN; BIJAOUI, 2000, p. 8). Em resumo, não há noite sem dia, não há repouso sem atividade, não há sombra sem luz.

No corpo, isso é fundamental. Isto é, o Yin (a matéria, o Sangue, os fluidos) é a base material que ancora e nutre o Yang (a função, o Qi, o calor). Da mesma forma, sem o combustível, a chama não pode queimar. Por outro lado, o Yang é a força dinâmica que transforma e move o Yin. Sem a chama (Yang), o combustível (Yin) é inerte. Em resumo, eles dependem um do outro para existir.

3. Consumo Mútuo: O Equilíbrio Dinâmico do Yin e Yang

Essas duas forças estão em um estado constante de equilíbrio dinâmico, como os dois pratos de uma balança.
Quando uma cresce, a outra diminui para manter a harmonia.

Um exemplo claro é o ciclo do dia:

  • Da manhã até o meio-dia, a luz (Yang) aumenta, enquanto a escuridão (Yin) diminui.
  • A partir do meio-dia, o Yang começa a ceder espaço, permitindo que o Yin cresça até atingir seu ápice à meia-noite.

Esse balanço contínuo é a chave da saúde.

  • Excesso de trabalho (Yang) consome a substância do corpo (Yin).
  • Excesso de frio (Yin) apaga o fogo metabólico (Yang).

4. Intertransformação: A Alquimia da Vida

Sob certas condições — especialmente em seus extremos — esses dois polos podem se transformar um no outro.

  • O inverno, em seu extremo, dá origem à primavera.
  • O dia em seu auge se transforma em noite.

Na patologia, isso é decisivo.
Um paciente com uma febre altíssima (excesso de Yang) pode, subitamente, entrar em colapso com extremidades frias e pulso fraco, um sinal de que o Yang extremo consumiu todo o Yin e se transformou em seu oposto.

O Neijing Suwen resume de forma clássica: “O excesso de frio […] se transforma em calor; o excesso de calor […] se transforma em frio” (NEIJING SUWEN, cap. 5, citado por NGUYEN; BIJAOUI, 2000, p. 33).

O Mapa do Yin e Yang no Corpo Humano

A medicina chinesa aplica esta teoria para classificar cada aspecto do nosso corpo, criando um mapa funcional da nossa dualidade interna.

CATEGORIAY I N (阴)Y A N G (阳)
LocalizaçãoInferior, Interior, FrontalSuperior, Exterior, Posterior
SubstânciasSangue (Xue), Fluidos (Jin Ye)Qi, Calor
Órgãos (Zang Fu)Órgãos Zang (Fígado, Coração, Baço, Pulmão, Rins)Órgãos Fu (Vesícula Biliar, Estômago, Intestinos, Bexiga)
FunçõesNutrição, Armazenamento, RepousoTransformação, Movimento, Defesa, Atividade

A Patologia do Desequilíbrio entre Yin e Yang

Toda doença, não importa quão complexa, pode ser diagnosticada em sua raiz como um desequilíbrio entre essas duas forças. Assim, existem quatro padrões básicos de desarmonia:

  1. Excesso de Yang: Há muito calor, muita atividade. logo, causa febre alta, agitação, rosto vermelho, sede. O Yang em excesso consome o Yin.
  2. Excesso de Yin: Há muito Frio, muita substância estagnada. Dessa forma, causa sensação de frio, dores que pioram com o frio, secreções claras e abundantes. O Yin em excesso apaga o Yang.
  3. Deficiência de Yang: Falta calor, falta função. Isto é, causa calafrios, extremidades frias, fadiga, falta de vitalidade.
  4. Deficiência de Yin: Falta substância, falta fluidos. Ou seja, causa um “calor vazio”, com febre baixa no final da tarde, suores noturnos, boca seca, agitação.

Portanto, o objetivo de toda a terapêutica da medicina chinesa, seja com agulhas, moxa, ervas ou dieta, é simples: identificar qual destes desequilíbrios está presente e guiar o corpo de volta à sua dança harmoniosa, sedando o excesso e tonificando a deficiência para restaurar o equilíbrio.

Em resumo, compreender a linguagem do Yin e do Yang é o segundo grande passo na nossa jornada.

Agora que conhecemos os atores (os Três Tesouros) e a coreografia (Yin e Yang), estamos prontos para conhecer as diferentes “famílias” de energia que compõem o nosso império interior: os Cinco Movimentos.

Referências

NGUYEN, Van Nghi; BIJAOUI, André. Acupuncture Moxibustion: Guide pratique. Marseille: Autres Temps, 2000.

SIONNEAU, Philippe. A Essência da Medicina Chinesa: Retorno às Origens – Livro 1. São Paulo: Editora Brasileira de Medicina Chinesa, 2015.

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